Uma das questões mais polêmicas nos planos de Recuperação Judicial, e mesmo nas negociações diretas com os credores, são os descontos obtidos em relação às dívidas, chamados de haircut ou deságios.
É comum o haircut ser tratado como calote. Porém, há diferenças substanciais entre o que é calote e o que é negociação quando se obtém um desconto na dívida.
A primeira diferença é quando o haircut é imposto pelo devedor a todas as categorias de credores, e nas mesmas condições, ainda que possa haver diferenças entre as categorias, situação que ocorre em casos de Recuperação Judicial ou Extrajudicial.
A outra situação é quando o desconto é concedido por cada credor individualmente. Nessa situação os percentuais, e mesmo as formas de haircut, variam de credor a credor e a cada negociação, e são resultado de negociação direta entre o devedor e o credor.
Nessa segunda hipótese, com certeza o adjetivo calote não se aplica, pois é uma liberalidade de cada credor aceitar ou não o haircut.
Também, na grande maioria das negociações, o desconto dado no crédito é a forma de trazer a dívida ao seu valor justo. Vamos aos exemplos:
Nas dívidas tributárias, quando a Receita dá um desconto de 70% sobre juros e multas, na realidade está se trazendo a dívida à realidade atual. Isso porque as multas de 75% a 150%, mais taxa Selic e mais 1% ao mês de juros, eram parâmetros válidos quando a nossa inflação anual era de três dígitos. Aplicar multas de 75% numa inflação de 4% ou mesmo 8% obviamente foge da realidade. Então esses descontos de 70% não são calote, e sim ajuste de excessos previstos na legislação.
O mesmo racional pode ser aplicado a fornecedores. Sabemos que a empresa em dificuldades não obtém, nas suas compras, os mesmos descontos do que concorrentes mais saudáveis. Os preços podem ficar entre 5% e 10% mais caros, ou seja, o credor a cada compra já recebeu um valor a mais. Dependendo do tempo de relacionamento, esse adicional de cada compra passada pode justificar o haircut, sem necessariamente ser calote.
E também se aplica aos credores financeiros, quando na reconstituição das operações, podemos identificar as taxas pactuadas, reciprocidades, venda casada de produtos, garantias desnecessárias, tema que não vou me estender, por já ser de conhecimento da maioria.
Mesmo nas RJs, há casos em que o haircut não deve ser considerado um calote. Por exemplo quando se constata o esgotamento cadastral da Recuperanda e seus acionistas.