Em nenhum dicionário Recuperação Judicial é sinônimo de calote do devedor, e nem poderia ser, não é?
Mas é assim que é visto pela grande maioria dos empresários, taxado (nos dois sentidos) pelos credores financeiros e endeusado pelos vendedores de RJ.
Essa visão distorcida se dá, principalmente, pelos elevados deságios e prazos de pagamentos propostos nos planos de recuperação judicial, e aprovados por “maioria” nas Assembleias de Credores.
A adjetivação de calote para a Recuperação Judicial é uma meia verdade. Efetivamente alguns credores perdem dinheiro pelo deságio aplicado em seus créditos, e perdem a paciência pelos prazos de pagamentos impostos.
Mas, a verdade é que quem se beneficia dos deságios e dos prazos de pagamento não é o empresário, e sim os credores que “ajudaram” a empresa a chegar na situação de inadimplência.
Na realidade boa parte dos credores obtém lucros expressivos durante a crise da empresa, e antes dela recorrer à RJ.
Antes de qualquer outra medida, as empresas em crise deixam de recolher impostos para manter os pagamentos de fornecedores e credores financeiros. Ou seja, por um tempo, quem paga as contas dos credores, agora sujeitos à RJ, são os credores tributários. Porém, essa inadimplência fiscal gera um aumento de passivo brutal, seja pelas multas de ofício (de no mínimo 75%), seja pela correção e juros desses passivos.
Obviamente que, apesar de não sujeitos aos efeitos da RJ, a regularização desses passivos compromete a capacidade de pagamento dos demais credores na RJ.
Por seu lado os credores financeiros, com a máxima de que a taxa de juros é proporcional ao risco (e a necessidade), cobram mensalmente juros e um spread adicional, minimizando o seu risco.
Por exemplo, numa matemática burra, se o spread for de 1,5% ao mês acima da média de mercado e a empresa rolar suas operações por 36 meses, o credor financeiro já terá recebido mais de 70% do seu principal.
Assim se eles derem um haircut de 70%, nada perderam!
O mesmo racional se aplica a alguns fornecedores, que não dão os mesmos descontos comerciais praticados com outros clientes, ou aplicam overprice nos fornecimentos durante a crise. Isso porque a empresa perde a sua capacidade de negociação.
Nesse raciocínio, quando a lei prevê que na RJ haverá uma redução de 70% nas multas das dívidas tributárias e parcelamento, mas exige a regularização fiscal sob pena de falência, o que o fisco diz subliminarmente é: “Você, durante algum tempo, pagou seus credores com o meu dinheiro. Agora vocês (recuperanda e credores) precisam devolver esse dinheiro para a sociedade.”
Quanto aos credores financeiros e aqueles fornecedores que se beneficiaram, o deságio nada mais é do que uma compensação, parcial, dos valores já pagos a maior pela recuperanda, antes do pedido de RJ.
Então, o que poderia ser chamado de calote fica restrito aos poucos credores financeiros que iniciaram suas operações nos meses que antecederam a RJ, e a fornecedores que mantiveram uma relação comercial saudável com a recuperanda. E ainda assim, parte do calote foi dado por aqueles que se beneficiaram da crise, e não pelos empresários em crise.