Uma das principais causas que transforma crise financeira em insolvência é a compreensão errada das dívidas, seja conceitualmente seja financeiramente.
Por incrível que pareça, quando alguns clientes nos procuram e solicitamos as informações sobre o endividamento, a diferença entre os valores de passivos apresentados pela empresa e as que apuramos após as nossas análises surpreendem.
Há casos em que essas diferenças chegam a mais de 100%, entre o que o cliente informa como sendo o total das suas dívidas que precisam ser negociadas e o total dos passivos que efetivamente comprometerão o fluxo de caixa.
E não estamos aqui a falar de micro ou pequenas empresas, pois atendemos apenas médias e grandes empresas.
Isso ocorre notadamente por um erro de interpretação adequada do que são dívidas e, principalmente, de conhecimento técnico e pragmático das dívidas.
Conceitualmente podemos dizer que dívidas são todos os valores que a empresa terá que desembolsar ao longo do tempo. Isso é muito mais amplo do que empréstimos, fornecedores e impostos vencidos, como erroneamente imaginam alguns empresários.
Alguns dos erros conceituais que explicam as diferenças absurdas são:
- Entendem como dívidas apenas aquelas contraídas com instituições financeiras;
- Em relação a fornecedores, classificam como dívidas apenas as duplicatas vencidas ou acordos de parcelamento, esquecendo o “contas a pagar” a vencer;
- Em relação a impostos, não consideram as multas e juros que incorrerão por ocasião do parcelamento;
- Não consideram, por exemplo, custos das futuras demissões, ou deixam de fazê-las por falta de recursos.
- Desconsideram custos futuros necessários para performar contratos ou produtos;
- Tratam dívidas com “amigos” ou “investidores” como se não fossem dívidas;
- Desconsideram dívidas corporativas;
- E mais uma gama de erros de avaliação, peculiares à própria atividade da empresa.
Financeiramente, toda dívida inadimplida tem juros, e não apenas as dívidas bancárias. E, sendo bem pragmático, até dívidas adimplidas tem seus juros embutidos, mesmo não sendo com o mercado financeiro.
– Por exemplo, nas dívidas trabalhistas temos as multas dos artigos 467 e 477.
– Nos parcelamentos com fornecedores há juros de mercado e os juros escondidos no preço dos produtos dos próximos fornecimentos.
– Nas dívidas com “amigos”, além das despesas com vinho e jantar, juros que eles não conseguiriam com outros que não sejam tão amigos.
– Com o mercado financeiro, além dos juros do contrato, os “juros” empurrados goela abaixo com a venda de produtos como consórcio, capitalização, seguro da vovozinha, aplicações colaterais e mais alguns novos truques que sempre surgem.
– Com os impostos, além da taxa Selic, juros e multas que vão de 30% a 150%, e nesse caso chegamos à taxas que nem os melhores agiotas cobram.
Não dimensionar de maneira adequada os passivos é o que transforma uma crise financeira em inadimplência, justamente porque o planejamento da reestruturação parte de premissas erradas, resultando em renegociações que não poderão ser cumpridas ao longo do tempo, exaurindo a capacidade financeira da empresa.