O enredo de um pedido de Recuperação Judicial começa muito antes da impetração da medida judicial.
Inicia com o desequilíbrio do fluxo de caixa, pelos mais diversos motivos: prejuízos operacionais, investimentos inadequados, crise setorial, má gestão, etc. Ou, uma infeliz coincidência de todos os motivos.
O desequilíbrio de caixa é suprido com a captação de empréstimos onerosos, em taxas e prazos inadequados, que acabam debilitando ainda mais a situação financeira da companhia.
Nessa fase, para renovar os empréstimos contratados, a empresa costuma atender as exigências dos credores financeiros, oferecendo-lhes garantias (cessão e alienação fiduciária e ativos),substituindo algumas operações por ACCs ( Adiantamento de Contratos de Câmbio) que, por uma coincidência, tornam essas operações não sujeitas a eventual pedido de recuperação judicial, com base nos dispositivos do artigo 49 da lei 11.101/2005.
Obviamente que a “coincidência” não é uma coincidência, e sim uma estratégia, muito bem elaborada pelos credores financeiros, para que seus créditos não se sujeitem a eventual pedido de recuperação judicial.
Com as garantias já consolidadas, os credores financeiros passam a ser mais exigentes nas renovações, sempre com amortizações parciais, aumento dos juros, mesmo que a empresa não tenha fluxo de pagamentos para isso.
O passo seguinte da empresa já debilitada é a inadimplência fiscal que, apesar de extremamente onerosa, é gerida por um credor silencioso e lerdo.
Não inclui no Serasa, não envia a cartório, executa de maneira lenta e, anualmente oferece alguma nova condição de parcelamento (REFIS, PERT, etc..). Credor esse que na Recuperação Judicial tem condição privilegiada, não se sujeitando aos efeitos das decisões da Assembleia Geral de Credores.
Após esgotar as possibilidades com essas duas classes de credores, as empresas, até por falta de opção, começam a atrasar os pagamentos de seus fornecedores, solicitam prorrogações de títulos, assinam confissões de dívidas, substituem de fornecedores por opções alternativas (e mais caras) etc.
Esse processo, em alguns casos, pode levar meses ou mesmo anos, debilitando a capacidade operacional da empresa, até seu colapso total, quando então a empresa reconhece, tardiamente, que é necessário o pedido de Recuperação Judicial, sob pena de ter sua falência decretada, ou mesmo não atender os requisitos mínimos exigidos pela lei, entre elas a manutenção da operação e empregos.
Nesse quadro, quando a empresa entra com o seu pedido de Recuperação Judicial, a maioria dos credores financeiros já não está sujeita à lei, as dívidas fiscais são substanciais, e a Recuperação Judicial basicamente atinge a fornecedores e eventuais dívidas trabalhistas.
Aí começa a realidade oculta da Recuperação Judicial.
Os credores financeiros, com suas garantias, tendem a exigir condições de pagamentos mais favoráveis do que aquelas que serão oferecidas aos credores chamados quirografários.
Ainda, como os sócios e diretores da empresa em RJ são avalistas das operações, eles tendem a tirar recursos da empresa em RJ, ou de seus ativos, para pagar os credores financeiros, independentemente do plano de recuperação judicial pois, pela atual lei, os avalistas são executados de forma autônoma.
O fisco, por força de lei, deve ser pago em 84 meses, e os trabalhistas no máximo em 12 meses.
Restam os coitados dos fornecedores, que são o motor da Recuperanda, e acabam sendo, teoricamente, os últimos a receber, e com descontos consideráveis.
Teoricamente, sim. Porque na prática, talvez eles sejam os primeiros a receber, ou, em caso negativo, a contribuir para a rápida falência da empresa.
Isso porque o fornecedor, após ter seu crédito incluído na Recuperação Judicial, não efetua mais vendas a prazo, e pior, não concede para a empresa em Recuperação Judicial os mesmos descontos que dá aos seus concorrentes que não estão em RJ.
Essa é uma forma indireta de receber antecipadamente seus créditos.
Por exemplo, se o fornecedor ficou com créditos equivalentes a 3 meses de venda na Recuperação Judicial e ele cobrar um sobre preço de 5% nas compras futuras, mantidos os mesmos patamares de fornecimento em 60 meses ele já recebeu sue credito, ainda continua credor e recebendo da empresa os valores inclusos na RJ, independentemente do prazo proposto na RJ, ou seja, ele recebe duas vezes. Se a empresa sobreviver obviamente.
Se esse ágio for de 10%, o prazo de recebimento fica em 30 meses.
Mas o pior, é que com esse sobre preço para tentar recuperar seus créditos, o credor tira completamente a competitividade da empresa e reduz significativamente sua capacidade de recuperação, resultando, muitas vezes, na falência da empresa.
Esse é um fenômeno que observamos com frequência, nos últimos 25 anos em que atuamos na reestruturação de passivos.
Então na vida pós Recuperação Judicial, descobrimos que essa lei somente se torna uma ferramenta de saneamento financeiro, se for utilizada de maneira planejada, com tempo e técnicas suficientes para não cair nas suas armadilhas, e com planejamento preventivo da vida em Recuperação Judicial, sem alquimias ou falsas ilusões.